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Pastor estreia na política e vê mandato na Alesp como um instrumento de Deus

Estreante na política, sem canal gospel no YouTube ou fama de digital influencer, o pastor Oséias de Madureira (PSD) foi o 29º deputado estadual mais votado dos 94 parlamentares que assumiram a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) neste mês.

O partido de Gilberto Kassab destinou R$ 500 mil para a campanha do pastor, cifra equiparável ou maior a de algumas das campanhas mais bem votadas na direita, como de Tomé Abduch (Republicanos), Tenente Coimbra (PL) e Bruno Zambelli (PL) –este desfrutou da popularidade do sobrenome, é irmão de Carla.

Os 137,2 mil votos em Oséias, no entanto, representam a força da mobilização evangélica, em especial do poderoso Ministério de Madureira, uma ramificação da Assembleia de Deus.

Oséias é obra política do bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus do Brás. Embora ele tenha investido simbólicos R$ 2.500 na campanha do pastor, é o principal responsável por essa candidatura e por todas que vieram antes. Desde 2010, a Madureira emplaca um representante na Alesp.

Samuel Ferreira é influente na elite evangélica. Filho do ex-deputado federal Manoel Ferreira, que fundou a Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil, tem trânsito em Brasília e página de adoradores no Instagram.

Estava presente no grupo que celebrou com Michelle Bolsonaro a aprovação da nomeação de André Mendonça ao STF (Supremo Tribunal Federal). “Glória a Deus”, festejaram após a escolha do ministro indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ferreira foi cabo eleitoral Bolsonaro na última eleição, da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014, aliado do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ) e, recentemente, apoiador da reeleição de Arthur Lira (PP-AL) no Congresso. Chegou a dizer em um evento que em suas igrejas só se falaria de Jesus e de Lira.

Oséias conta que foi determinação de Ferreira a escolha de seu nome para a Alesp. “Viram em mim o nome oportuno para a indicação como candidato estadual.”

O pastor de 49 anos, natural de Mogi das Cruzes, é um homem discreto fora do púlpito. Afirma que nunca teve aspiração política, mas que entendeu um pouco da atividade ao se envolver nas campanhas da igreja, como a de Cezinha de Madureira (PSD-SP), reeleito deputado federal e ex-líder da bancada evangélica.

Oséias encara seu mandato como um instrumento de Deus dado a ele por quatro anos “para servir à igreja, mas também a São Paulo”.

Lembra que foi num domingo à tarde que recebeu um convite inesperado do bispo para comparecer à igreja. Dirigiu-se ao local com a mulher, a pastora Silvana Santos, pensando que poderia ser transferido para outra cidade. A família, formada pelo casal e dois filhos, aceitaria a ordem que fosse.

“Naquele dia, após o culto, o bispo [Ferreira] falou: ‘Orei a Deus e seu nome tem ardido no meu coração, a convenção está apoiando o seu nome. Eu queria te convidar para ser o candidato oficial da igreja'”, disse Oséias ao Fuxico Gospel, um site de cobertura evangélica.

Fora do altar –onde prega com intensidade e eleva o tom de voz quando “sente a presença de Deus”–, fala pausado, sem exaltações. Diz que é o estilo sóbrio que deve imprimir na Assembleia. “Tenho sido cauteloso. Não vou com sede ao pote para não ser precipitado.”

A maior parte de suas memórias está ligada à religião. Ele brinca que foi praticamente parido na igreja e que fingia batizar os irmãos. Vem de uma família crente, mas foi o primeiro a seguir a linha ministerial.

Oséias fez o curso de teologia na Escola das Assembleias de Deus e já pastoreou em seis igrejas nas zonas leste e norte de São Paulo. Presidiu a Assembleia de Deus Madureira no município de Sumaré e hoje é pastor na AD Brás São Bernardo do Campo.

Como deputado, pretende manter cultos aos domingos ou segundas à noite. Sua principal missão é defender os interesses da igreja e ser uma peça importante no xadrez da Alesp quando a discussão envolver a pauta de costumes.

Diz que “cada ação terá uma reação” e que combaterá projetos que “ameacem os valores cristãos”.

O pastor evita ao máximo criticar opositores, aliados, Tarcísio, Lula ou Bolsonaro. Também afirma que seu primeiro projeto de lei é segredo. Só demonstra muita convicção quando a pauta é “o princípio bíblico da família”, basicamente o conceito de família tradicional.

“Vou defender o princípio bíblico, que é extremamente contra, pelo que acreditamos, o casamento homossexual. Mas vou respeitar, sem agredir.” Diz que não pretende apresentar projetos sobre o tema, a não ser que precise reagir a forças progressistas.

“Não sou contra homossexuais, mas contra a homossexualidade, entende?”, tenta explicar, sem êxito. Acrescenta que jamais expulsaria gays da igreja, por exemplo, mas que não “compactua com ações homossexuais”. Afirma, depois, que todos são bem-vindos na igreja.

Embora a visão cristã conflua com a de Bolsonaro, o pastor não pretende atacar minorias, como estrategicamente fazem parlamentares da extrema direita. “Acho que tem como você defender suas convicções sem ser deselegante ou agressivo.”

Ele acha que o comportamento de Bolsonaro pode ter comprometido sua reeleição. “Talvez ele não tenha falado da forma que deveria, isso gerou muito desconforto, mas eu defendo que foi um governo digno de ser aplaudido e respeitado. Votei e apoiei ele, como todo o segmento evangélico”, diz.

“Sempre lembrando que eu respeito a esquerda. O Lula está aí no governo e precisa ser respeitado“, completa o kassabista.

Mesmo que evite expor o que pensa politicamente para não se comprometer, já deixou transparecer alguns julgamentos.

“É uma pergunta difícil de responder, mas como líder posso dizer que é preciso estar ao lado dos liderados na vitória ou na derrota”, afirmou ao jornalista do Fuxico Gospel quando foi questionado sobre o que achava de Bolsonaro ir para os Estados Unidos após perder para Lula.

“A igreja ajudaria muito mais se ela fosse para o joelho pedir misericórdia do que para frente de um quartel. Não me levem a mal”, afirmou em outro momento, referindo-se aos pastores que influenciavam fiéis nos acampamentos bolsonaristas.

Em outra ocasião, também defendeu que o porte de armas deve ser muito restritivo.

A alguns dias da posse na Alesp, Oséias estava mapeando outros deputados para fortalecer a bancada evangélica paulista.

“Não sou daqueles que vai bater na Igreja Universal, por exemplo, acho que a gente pode convergir para uma visão de unidade e engrossar o caldo dessa frente”, diz. No seu cálculo preliminar, são mais de 20 colegas.

Oséias não indica seu plano futuro na política, mas é cercado de líderes ambiciosos. Em uma live logo depois da eleição, o ex-deputado estadual e colega da Madureira Dilmo dos Santos dirigiu a palavra a Cezinha e Oséias: “Parabéns aos candidatos, que são somente escolhas momentâneas, já passei por isso”, afirmou. Todos riram. “São mais quatro anos e daqui a pouco os projetos serão maiores.”

O poderoso Samuel Ferreira, também presente, pediu a palavra. “Só vou dizer algo a vocês: meus sonhos não terminaram, são monstruosos. Perto do que estamos vivendo, dá até medo de falar”, disse, sem mais detalhes.

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