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Alberto Gallo: Os desastres climáticos já estão acontecendo. E agora?

Foto: CNN Brasil

Nesta segunda passada, 29/04, publicamos no DIÁRIO DO RIO uma reflexão sobre os impactos das tragédias climáticas, citando a tempestade de Dubai e outros eventos globais. Na ocasião destacamos a importância da Rede de Cidades C40 voltada para troca de boas práticas urbanas, compostas pelas maiores e mais influentes cidades do mundo. Também destacamos a necessidade da estruturação de projetos tecnicamente qualificados e que sejam vinculados a mecanismos de financiamento, de modo a que as cidades possam melhor se preparar para o desafio que se apresenta para os próximos anos.

O que não podíamos prever, é que em poucos dias após esta publicação, o estado do Rio Grande do Sul se tornasse uma comprovação da ocorrência de tragédias climáticas, considerando aquela que pode ser a maior cheia do Guaíba, na história, registrada em Porto Alegre, em maio de 2024. Os temporais devastadores, deixaram um saldo trágico de mortes, desabrigados e danos materiais incalculáveis. Este evento extremo é um reflexo direto das mudanças climáticas, que têm intensificado a frequência e a severidade de características meteorológicas em todo o mundo.  Segundo INMET, este evento apresenta uma combinação de fatores climáticos adversos, incluindo correntes intensas de vento, um corredor de umidade originário da Amazônia, que se intensificou como precipitações, e um bloqueio atmosférico causado por ondas de calor. Estes elementos revelaram-se para acumulações de chuva que poderiam chegar até 400 milímetros, somando-se a mais de 300 milímetros registrados até o dia 02/05. Mas além desta infeliz coincidência cumulativa de fatores meteorológicos e naturais; temos também as causas antropológicas (causadas pelas alterações humanas no meio ambiente), como a ocupação de encostas, desmatamentos, características de urbanismo com construções próximas aos cursos d´água e vales, agricultura intensiva. Há ainda as questões globais que promovem reflexos difusos, como queimadas, alteração da biosfera e queima de combustíveis fosseis que não se pode determinar o impacto direto, mas que de alguma forma influenciam as massas de ar como El Nino e também a temperatura dos oceanos e de alguma forma causando mudanças nos regimes de precipitações. Melhor deixar que os especialistas em clima expliquem este diluvio gaúcho, mas penso que nos cabe entender como as cidades do Brasil e outras regiões, devem se organizar doravante para lidar com eventos trágicos e que infelizmente não serão tão raros. E pelo impacto na destruição da infraestrutura de estradas, pontes, edifícios residências e industriais percebemos que se trata de uma catástrofe similar a uma guerra. Inclusive e infelizmente com vítimas, desaparecidos e uma grande parte da população desabrigada e sem acesso à serviço de água, esgoto, energia e comunicações. Para o leitor, é possível imaginar que as estações de tratamento de água e esgoto ficam impossibilitadas de operar, quando submersas, de modo que o cidadão de Porto Alegre e de cidades do interior estão com condições de racionalmente.

De outro lado temos o colapso das instituições públicas de defesa civil e do sistema hospitalar, que em nenhum cenário tinham se preparado para um evento com estas dimensões e características. Além das perdas de vida e dos traumas de desabrigados, da destruição de prédios e das cidades, redes elétricas e estrada; temos o longo  impacto socioeconômico da destruição de campos de lavoura, perda de animais e da agricultura, destruição de indústrias e de empregos. Assim como em um conflito armado, as respostas emergenciais e desafios de reconstrução implicam em um plano de ação que precisa ser estratégico e organizado.

E aqui nos deparamos com a necessidade de um plano de emergência que precisa ser considerando a nível nacional e capaz de dar respostas mais efetivas. O que pudemos observar é que não obstante a imediata presença do senhor presidente da república, o que se viu é uma falta de consistência na resposta federal e mesmo das FFAA´s que parecem ter perdido a confiança da população. Há mais helicópteros privados e dos estados em operação de salvamento e resgate, do que das forças armadas. Inclusive o que se recebe de informações via redes sociais é da iniciativa privada com agricultores, camioneiros e empresas atuando de modo voluntário em operações de suporte.

O ponto que julgamos oportuno de registrar é que muito além da resposta emergencial diante de uma tragédia, seja um evento climático extremo, um conflito de guerra ou um desastre da natureza é preciso um plano de ação de longo prazo que prevendo investimentos de prevenção e redução de riscos. Vejam por exemplo países como Holanda que possuem parte de seu território abaixo do nível do mar e que com sistemas de engenharia de diques e canais, consegue manter em segurança estes campos. E no Brasil temos tecnologia, recursos e condições para fazer o mapeamento dos riscos climáticos e conduzir investimentos que reduzam os prejuízos materiais e perda de vidas.

Portanto é fundamental emergirmos desta crise ambiental das enchentes do Rio Grande do Sul,  com a visão de que é urgente a implantação de uma central de projetos no Brasil, voltada para a mitigação e riscos climáticos,  e que atue a nível regional e de cidades. É preciso trazer para a mesa, os governos a nível municipal e estadual, juntamente com Ministério das Cidades, Meio Ambiente, Integração Nacional, o Conselho Nacional de Defesa, FFAAs e Conselho de Desenvolvimento Nacional. Por se tratar de um esforço de guerra é preciso unir o Poder Legislativo e entidades capazes de financiar como BNDES e  Ministério da Fazenda. O Judiciário é melhor não convidar, porque essa turma já tem muito poder e muitos afazeres.

Reunir a elite do governo em um projeto de defesa, planejamento de ações diante das mudanças climáticas e dos impactos nas cidades, talvez seja um sonho. Mas ou nos organizamos enquanto é tempo ou teremos algumas vezes por ano, manchetes de tragédias que se repetem. E que poderiam ser muito reduzidas com os investimentos corretos acontecendo em tempo.

As consequências da emergência climática se dão em todos os aspectos da vida humana, mas o reflexo mais intenso está nas cidades, onde se concentram as pessoas, o consumo de energia e alimentos, além de serem centros de geração de resíduos e poluição.  É um tema multidisciplinar que deve ser abordado, não apenas pelo debate ambiental, mas por todas aspectos da vida urbana, como a economia, a infraestrutura, investimentos públicos, , a saúde e, certamente, com as eleições e a política.

Neste sentido é muito oportuno aprofundar a discussão sobre cidades resilientes e os mecanismos para alocar recursos e bons projetos.  O conceito de cidades resilientes considera aquelas que estão atentas em estudos e projetos capazes de resistir, se adaptar de forma eficaz aos desafios como desastres naturais, crises econômicas, mudanças climáticas, entre outros. O termo foi popularizado pela campanha “Cidades Resilientes” lançada pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR) em 2010.

Estamos aqui falando de como as cidades brasileiras estão implementando projetos de adaptação e mitigação diante das mudanças climáticas do dos impactos decorrentes de eventos extremos. Podemos, de uma forma simplista, classificar estre projetos em cinco grandes grupos de atenção:

  1. Proteção da População: Projetos de adaptação podem proteger as comunidades vulneráveis, como pessoas de baixa renda que vivem em áreas de risco, garantindo sua segurança e reduzindo o impacto negativo dos desastres naturais.
  2. Preservação do Meio Ambiente: Ações que visam mitigar as mudanças climáticas, como a redução das emissões de gases de efeito estufa e o aumento da resiliência dos ecossistemas locais, contribuem para a preservação do meio ambiente e da biodiversidade. Neste grupo podemos incluir projetos de saneamento, resíduos sólidos, cuidados com água, ar, bacias hidrográficas, reservas e parques florestais.
  3. Desenvolvimento Sustentável: Projetos de adaptação e mitigação podem promover o desenvolvimento sustentável, criando oportunidades econômicas, melhorando a qualidade de vida da população e reduzindo a desigualdade social. Neste grupo incluímos a requalificação do território urbano, desenvolvimento de infraestrutura e transportes, economia local e empreendedorismo como fator de geração de renda e redução das desigualdades.
  4. Resposta aos Impactos Econômicos: Eventos climáticos extremos têm impactos econômicos significativos, afetando a agricultura, a infraestrutura, o turismo e outros setores. Projetos de adaptação podem reduzir esses impactos e promover a resiliência econômica.

A cidade do Rio de Janeiro, onde urbano e natureza de fundem, mas é preciso gestão púbica e integridade para transformá-la num habitat mais justo e inclusivo, e considerando a transição climática.

E como podemos tirar estes conceitos da teoria e dos slogans vazios das campanhas eleitorais, para de fato colocarmos na agenda pública dos atuais e futuros prefeitos?  É preciso que tenhamos bons projetos, financiamento e mecanismos de acompanhamento e avaliação de resultados.  Sabemos que muitas vezes as políticas públicas acabam se perdendo, quando sequestradas por interesses ideológicos ou se projetos são ruins na sua concepção. Portanto é preciso trabalhar desde a formatação, uma agenda de projetos de alto impacto e com padrões de governança, critérios técnicos e legais compatíveis com sua instalação e o principal que sejam economicamente viáveis e nesse ponto consideramos a financiabilidade.

Uma boa referência neste sentido é a rede C40 que reúne as grandes cidades do mundo comprometidas com a luta contra as mudanças climáticas. Trata-se de uma rede de grandes cidades em todo o mundo, nascida em 2005 a partir da experiência de Londres e que visa promover a infraestrutura, eficiência energética e a proteção da sociedade com políticas de desenvolvimento. O lema é “enquanto as nações falam, as cidades agem”.  Outras cidades globais como Buenos Aires, C. Mexico, Nova York, Toronto e Vancouver nas Américas; Berlim, Paris, Copenhagen, Barcelona e Varsóvia entre as europeias; e na África e Ásia podemos citar Tóquio, Xangai, Mumbai, Lagos, Istambul, Nairobi e Addis Abeba. No Brasil estão presentes Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Salvador.  Vale destacar que já são aproximadamente 100 grandes cidades aderentes ao programa  C40, com a inclusão de Amã, Jaipur e Quito.

O tema das cidades e mudanças climáticas é fundamental para nosso futuro global e especialmente para os residentes no Rio de Janeiro, uma cidade com forte impacto econômico e social de sua localização litorânea e tropical. Vamos desenvolver em torno deste tema uma série de discussões, buscando trazer ao debate as iniciativas oportunas para a cidade, seja de projetos, financiamentos e requalificação do território. São agendas que o futuro prefeito deve colocar como pauta prioritária, e considerando temas que devem ser amplamente debatidos na esfera política, nas instituições e por toda a população interessada.

Segundo a ONU, as cidades representam apenas 3% do território terrestre, e que nos próximos 15 anos será ocupado por 70% da população mundial. Portanto é o espaço prioritário para investimentos de serviços, infraestrutura e das soluções para uma vida social mais digna para todas. E o carioca tem neste debate um papel fundamental. A cidade maravilhosa, que também é a capital oculta do pais, merece bons projetos Nos próximos artigos, vamos trazer alguns caminhos e aguardamos a participação dos leitores e especialistas.

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