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Folha Seca: uma livraria com raiz carioca

Entrada da livraria, na Rua do Ouvidor. Foto: Felipe Lucena

Quantos universos cabem em um Rio de Janeiro? Muitos. Talvez todos. Contudo, existem marcadores que definem significativas páginas da nossa formação como lugar. Esses marcadores formam a capa da livraria Folha Seca, localizada no número 37 da Rua do Ouvidor, centro da cidade. O miolo até se abre para algumas ramificações, mas tudo na Folha fica preso aos temas cariocas: futebol, música e história do Rio. 

Antes da Folha Seca existir, a concepção de um espaço com livros de temas cariocas já era uma realidade para Rodrigo Ferrari, o Digão, criador da livraria. Ele trabalhava para outra empresa do ramo e já organizava prateleiras com esses títulos. Em 1996, comandou uma loja no Paço Imperial e firmou a ideia. 

“Eu já tinha muita autonomia, já era meio que um gerente e como tinha muita identidade com esse com os temas cariocas, e como ficava dentro do Paço, achei que caberia e especializei a livraria em futebol, música, história, mas botava outras coisas também. Até me sacaneavam falando que eu botava livros do futebol de São Paulo, livro sobre Adoniran Barbosa”, conta Digão. 

Naquele tempo, Rodrigo já havia tido sua primeira experiência editorial com uma revista de choro, que existiu entre 1995 e 1997. Além disso, também esteve à frente de uma loja no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Ele foi seguindo as vibrações e, há 25 anos, criou a Folha Seca. O nome veio antes da livraria. 

“Todo mundo fala que foi uma ideia muito feliz. Eu já pensava nesse nome antes de ter a livraria. É uma ideia feliz porque é um nome que junta tudo o que a livraria simboliza”

Neste começo, Rodrigo tinha como sócia a editora Dani Duarte. Isso foi em 1998. Nesse momento, a Folha Seca ainda ficava no Centro Municipal Hélio Oiticica. 

A Ouvidor já foi uma das ruas com o maior número de livrarias da América do Sul. Além de ter sido um local onde muitos jornais e revistas funcionaram e intelectuais se encontravam nos cafés, bares e confeitarias. Em 2004, a Folha Seca se mudou para lá. 

Digão no balcão da Folha Seca, na Rua do Ouvidor. Foto: Felipe Lucena

“A escolha do lugar foi totalmente por acaso, aleatória, mas com alguma sinergia. A gente tinha muito medo de ter uma loja de rua, por motivos óbvios, comércio é difícil. Estávamos no Hélio Oiticica e tinha suas vantagens de estar em um centro cultural. Um dia, um amigo que encontro até hoje me falou que tinha essa loja na Ouvidor, que tinha tudo a ver com a gente, lugar ótimo. Então, a gente veio, criou coragem, respirou fundo e ficou”, lembra Digão. 

Em meio a bares e restaurantes, a Folha Seca encontrou seu lugar. No início, a localização ainda era ocupada por muitos comércios ligados ao antigo Mercado do Peixe, longe do perfume da outra parte glamourosa e afrancesada da Ouvidor. Ao lado da Toca do Baiacu, que deu no New York Times, a livraria, para muita gente, tem a cara de um boteco. Mais carioca impossível. Rodrigo comenta os lançamentos de livros cheios de música e goles: “Minha mãe brinca comigo ‘você é um sacripanta mesmo, toda hora quer festa’. Esses eventos para lançar alguma obra fazem parte da rotina das livrarias. As tardes de autógrafos e lançamentos são fundamentais nessa atividade. O que a gente faz aqui é juntar os amigos, agregar com os bares vizinhos, com os músicos e fazer de uma forma que fique legal para todo mundo”. 

Os debates sobre o futuro do mercado editorial são inevitáveis. Grandes livrarias fechando, as vendas online por preços bem abaixo do praticado, os nichos que as editoras estão investindo. Tudo isso se transforma em interrogações, inseguranças. Contudo, para Digão, que hoje trabalha junto com Miguel, o que mantém as coisas caminhando bem na Folha Seca é justamente o que sempre o norteou: identidade. O que marqueteiros costumam chamar de “conceito“. Todavia, ter identidade é bem melhor. 

Alguém que vai à Folha Seca sabe que vai encontrar livros dentro de uma determinada temática em um ambiente de proximidade, amizade e simpatia. Carioca no melhor sentido da definição. 

Parte interna da livraria Folha Seca. Foto: Felipe Lucena

A amizade é mesmo um capítulo à parte na Folha Seca. Digão conta que o professor Luiz Antonio Simas disse que começou a publicar seus escritos por conta da relação que a livraria tem com seus amigos frequentadores. Durante a pandemia de Covid-19 foi essa parceria que manteve a estrutura funcionando. A campanha em busca apoio foi um sucesso e a loja conseguiu atravessar essa página infeliz da história da humanidade. 

Nos eventos promovidos pela livraria fica claro esse clima de amizade com quem frequenta a Folha Seca. Todos se sentem em casa. Ou em um amistoso bar. A festa de 25 anos, em janeiro de 2023, foi mais um exemplo disso. Teve até piano na rua e participações ilustríssimas como Aurea Martins, Cristóvão Bastos e muitos (muitos mesmo) outros amigos. 

Identidade é para quem tem. A Folha Seca é prova disso. Uma frase atribuída a Frei Beto diz “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. É pelo Rio de Janeiro que a Folha Seca segue flanando. E é nesse lugar que ela firma raiz. Para colocar ponto final com outra boa frase, dessa vez de Digão, fecho a matéria abrindo aspas: “Quem gosta de livro vai gostar de livro a vida inteira”

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